Friday, July 28, 2006

Guilherme

Guilherme tinha acabado os seus estudos. Nunca teve uma namorada a sério... Nunca tinha sentido necessidade de alguém junto de si... o sexo oposto nunca o tinha atraído... tinha tido umas aventuras, mas o seu coração sempre foi seu... nunca o ofereceu a ninguém... só por palavras, mentiras...

Vivia sozinho numa casa onde nada faltava... a não ser um outro... e Guilherme começou a sentir a falta desse outro quando um dia a luz faltou... TV, Hi-Fi e tudo o resto silenciou-se... O silêncio teve então hipótese de ficar a sós com Guilherme... sentiu uma falta muito grande, a falta de algo... alguém!

Um dia resolveu acabar com o silêncio e procurar uma mulher para casar... viu muitas... falou com algumas... não gostou de nenhuma.

Quando chegou a casa pensou que tinha de ter calma, manter-se sereno... pois uma escolha apressada poderia estragar tudo.

Meses após meses Guilherme procurou com muita paz a mulher com quem casar, com quem dividir o que tinha... um alguém que lhe enchesse o que agora sentia tão vazio... mas era muito difícil... Ou eram comprometidas ou então não queriam nada com ele...

Manteve-se calmo... Trabalhava, dormia e procurava a mulher da sua vida... durante anos...

Cada vez mais o silêncio de sua casa lhe metia medo... então, uma noite, antes de adormecer, começou a pensar que afinal de contas ele até estava a viver uma vida boa... apesar de alguma frustração que lhe advinha do facto de não encontrar quem procurava... a sua vida até era, na sua globalidade, uma vida boa... não tinha atritos com ninguém, trabalhava honestamente e era recompensado de acordo com isto... muita gente o admirava e tinha até já servido de exemplo a muitos que se apressavam a procurar outro alguém... Guilherme costumava dizer: " Eu também procuro um outro alguém... mas com a paz de quem quer escolher bem... com a paz de quem vai acertar... com a paz de quem, mais cedo ou mais tarde, vai ser muito feliz porque encontrou o seu outro... e o ama."

Guilherme naquela noite viu que tudo em si até nem estava tão mau como às vezes sentia... por vezes sentia-se mergulhado num poço onde gritava e nem eco havia... porque o seu grito era de silêncio...

Por fim adormeceu...

Foi acordado na manhã seguinte por um cheiro a flores... uma senhora muito bela estava perto da sua cabeceira com um enorme arranjo de flores... ficou espantado... e teve que perguntar como é que ela tinha conseguido entrar...

Ela não lhe respondeu a essa pergunta, mas respondeu à outra que ele ainda não tinha feito:

"- Sou uma mulher que esperava alguém a quem dar o amor que tenho e guardo... sempre tive medo de procurar por medo de não acertar... por isso, simplesmente esperava... até que o vi. Os seus olhos mostraram-me uma paz que não tive dúvidas em ver em si aquele que eu esperava... passou algum tempo e cansei-me de esperar, resolvi procurá-lo e aqui estou... chamo-me Beatriz, tenho 32 anos, sou solteira e amo-o sem o conhecer... ..."

Guilherme nem acreditava... com a boca completamente aberta olhava Beatriz.. nem sabia o que pensar ou sentir... um sonho?! Não... Ela era loira e trazia o cabelo apanhado atrás, muito bem esticado... parecia ter 25 anos... era muito bela...mas... mas... se calhar era um sonho... ele não estava a compreender absolutamente nada... Por fim perguntou:

"- Beatriz... como consegue amar-me sem nada saber de mim, a não ser a forma como eu a olho e... pelos vistos a minha morada... pela minha boca nada sabe... nem sabe o que penso ou sinto por si!?"

Ela respondeu-lhe com serenidade dizendo:

"- Guilherme... desculpe-me mas vou-me embora, não porque esteja desiludida, mas porque me estou a sentir motivo de confusão... quando quis ser motivo de uma alegria de fusão... Desculpe-me... voltarei um outro dia..."

Guilherme agarrou-lhe na mão e disse:

"- Beatriz... não vá... amo-a... é você!!!"

Alguns dias depois já viviam juntos, como casados... só que não se beijavam nem trocavam palavras. Depois casaram e continuaram como estavam: sem beijos nem palavras, só o amor... só a sua forma bonita de amar...

Muitos anos mais tarde Beatriz não apareceu à hora do costume... Guilherme ficou muito preocupado, entretanto, tocou o telefone e uma voz lacónica perguntou se era o esposo de Beatriz, depois de responder afirmativamente, Guilherme ouviu a voz dizer-lhe que Beatriz tinha sofrido um desastre mortal, ele manteve-se calmo e desligou depois de saber o hospital, ou melhor, a morgue em que ela se encontrava e dirigiu-se para lá... Identificou-se e passados alguns momentos viu o cadáver de Beatriz... Chorou três lágrimas e depois foi para casa...

No enterro estava sozinho... Levou as pétalas das flores com que outrora Beatriz o tinha acordado e que tinha guardado todos aqueles anos... deitou-as por cima do caixão e foi para casa...

Guilherme veio a morrer num hospital da sua cidade... Morreu de velhice... Morreu porque o seu corpo não aguentava viver mais... o seu coração, a sua alma, esse era como sempre foi: Grande e Calmo.

Morreu... e foi sentar-se à cabeceira de uma cama onde Beatriz esperava calmamente por ele... o que ela não esperava era o beijo com que Guilherme a acordou..


Tuesday, July 18, 2006

Wilson





Era uma vez um menino de 12 anos que vivia com a sua família no interior.

Wilson guardava ovelhas. Era magro, cabelo curto e andava sempre a lutar contra o frio com agasalhos cheios de rasgões.

Sua família propusera-lhe um dia que ele fosse estudar, e isso porque se pensou que ele talvez viesse a precisar de ir à escola. Mas Wilson não aceitou, eles precisavam dele e ele precisava de alguém que precisasse dele. René orgulhava-se por ter uma família que precisava dele e que, ainda assim, lhe tinha dado a possibilidade de estudar.

Havia na aldeia uma menina muito bela que o Wilson via sempre que ela vinha da escola.

Passava o dia a pensar nela e em casar-se com ela. Ele precisava dela para ser feliz, mas havia que esperar, é que agora ele estava a cumprir o amor à família.

Deixando temporariamente da lado a escola e o amor exclusivo da rapariga muito bela, Wilson vivia sozinho por entre céu e terra fértil, no meio de vales fundos e montanhas altas.

Um dia a vida de Wilson foi-se embora, fugiu-lhe quando caiu no fundo de uma ravina...

Lá em baixo, um cadáver. Em cima, olhando para baixo, as ovelhas.

Lá na aldeia, uma rapariga muito bela. Em cima, olhando para baixo, um rapaz magro e de cabelo curto.

Wednesday, July 05, 2006

aos meus amigos


existe hoje em mim um sentimento:

o do receio quanto ao futuro,

não o meu,

mas o vosso,

pessoas de quem gosto,

desculpem-me mas hoje receio por vós e sofro.

já me surgiu a ideia de estar a querer que sofram comigo,


mas afasto-a... no extremo preocupa-me tanto o meu como o vosso.


hoje sinto a vertigem dum futuro vazio,


potencialmente repleto de coisas más...


em dias como este, não consigo ser optimista,


porque o mundo me aparece cinza escuro


sem luz no fundo...


embora a metáfora contrária também faça imenso sentido:


se agora há luz, já vislumbro um lugar negro


para onde todos, inevitavelmente, peregrinamos...


chego até a sentir que se um de nós se "safar",


já é uma vitória do colectivo,


e senti-la-ei como se da minha se tratasse.


Desafio-vos pois a todos a irmos juntos,


ou talvez esteja simplesmente a rogar-vos


para que não se esqueçam de vós,


Enfim, que me dêem a felicidade de vos ver felizes.