"Não tenha medo de ser feliz!"
Pe. João
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Tenho já muitos anos. Não te iludas: não estou ainda bastante fraco para ceder às imaginações do medo, quase tão absurdas como as da esperança e seguramente muito mais penosas.
Se fosse preciso enganar-me a mim mesmo, preferia que fosse no sentido da confiança; não perderia mais com isso e sofreria menos.
Este fim tão próximo não é necessariamente imediato; ainda aceito cada noite com a esperança de chegar à manhã seguinte.
Adentro dos limites intransponíveis de que te falei há pouco, posso defender a minha posição passo a passo e recuperar mesmo alguns milímetros do terreno perdido.
Não deixo por isso de ter chegado à idade em que a vida se torna, para cada homem, uma derrota aceite. Dizer que os meus dias estão contados não significa nada; sempre assim foi; é assim para todos nós.
Mas a incerteza do lugar, do tempo e do modo, que nos impede de distinguir bem o fim para o qual avançamos sem cessar, diminui para mim à medida que a minha doença mortal progride.
Qualquer pessoa pode morrer de um momento para o outro, mas o doente sabe que passados dez anos já não será vivo.
Penso que enquanto se está vivo há um propósito, o meu, agora, julgo ser o de mostrar a todos que se pode ser alguém mesmo depois da doença chegar para não mais partir... o de vos mostrar que os velhos e os doentes não são trapos. E quando chegar a vossa vez, não vos deixes substituir... Sede o que são até ao fim. Não há dignidade no acto de desistir.
No fundo do meu e do teu coração reside um pedaço de Deus que nos garante que ainda nos encontraremos numa outra vida: aquela que vale a pena, a que vale tudo - é Eterna... e lá nos encontraremos.
Poucas vezes na minha vida senti, como agora, com um tão elevado grau de certeza, que se adivinham tempos de mudança.
Sinto a vertigem da necessidade de deixar o presente e me largar num futuro incerto. Desagrada-me desconhecer se o para onde estou lançado é tempo de paz ou de tormenta.
Por um traço do que sou, num pessimismo prudente, julgo o que vem como sendo momento de crise... e preparo-me, demoradamente, para uma tragédia que parece consentir pressagiar-se.
Devo o que sou mais às desventuras que aos dias de Sol que vivi. Mas, estou longe de me sentir confortável com esta desditosa intuição de um difícil amanhã que sempre ganha ainda mais força por cada crepúsculo de dia que passa.
Nestas províncias do aquém-dor há já notícia de pequenas batalhas de uma guerra que, se, de facto, ainda não começou, já deixa as suas marcas...
(Obrigado ao Paulo por me puxar para a escrita... Cf. comentário ao post anterior)