Saturday, June 16, 2007

Miguel Castro




Miguel Castro era viúvo e sentia tristeza pela sua vida cheia de solidão. Sentia saudades da sua esposa e sentia ainda mais fortemente o arrependimento pelo que lhe havia feito e dito durante tantos anos de um casamento pouco feliz... que acabara quando conscientemente Miguel Castro assassinou a sua companheira.

Tinham passado muitos anos sobre o assassinato e Miguel tinha acabado de sair da prisão... Levava a vida de um verdadeiro solitário, não precisava de trabalhar pois tinha dinheiro que chegava... precisava do perdão dela, da sua mulher, daquela com quem ele mesmo um dia se comprometeu a amar e um outro dia matou...

Não foi precisa a reclusão do estabelecimento prisional para lhe fazer ver que agira mal... foi no segundo seguinte ao da morte da sua esposa que se arrependeu... é que acaso ela não tivesse sucumbido naquele segundo, ele amá-la-ia para o resto da sua vida... tal a força do sentimento que o encheu.

A prisão foi voluntária e Miguel passou por ela como quem passa por alguém que não conhece numa rua cheia de movimento... quase não deu por nada... esteve absorvido no e pelo amor de alguém que assassinara... pensava calmamente no que tinha feito e no que sentia, passava metade do tempo a dormir e a sonhar com ela, sonhava a realidade que existiria acaso a morte esperasse apenas um segundo... Vivia triste, dormia alegremente... e por isso a prisão foi até o melhor sítio para ele... Agora ele era "livre", podia passear, ir onde queria... foi ao cemitério vê-la... mas o corpo já não estava lá... afinal já tinham passado 20 anos... no seu lugar estava outro qualquer alguém...foi para casa...

Marcava o calendário 16 de Junho de 77, deitou-se e disse:
O meu coração está ansioso por ti... quero ir para junto de ti... sei que me perdoas-te mas tenho medo de me suicidar, por isso gostava que me viesses buscar enquanto durmo... Por favor!!


Depois adormeceu...



Acordou a meio da noite dessa mesma noite e disse:

Oh meu Deus, quero tanto a companhia da minha esposa como a Tua, mas não matarei segunda vez, pois penso que o suicídio é ainda mais imperdoável que o assassinato... pois como Te havia de explicar que infringira a Tua lei para colmatar uma anterior infracção... não! Meu Deus, eu quero ir ter com ela, e Contigo... mas não matarei... Vem buscar-me, se vires que estou certo... ou então ajuda-me a fazer qualquer coisa na vida, qualquer coisa que Tu penses ser melhor...
e adormeceu calmamente...





Miguel Castro acabou por morrer muitos anos depois em terra longínqua... e o tempo que passou entre aquela noite de 1977 e a hora da sua morte foi vivido intensamente, dando... recebendo em troca sorrisos e alguma dor... não voltou a pedir a Deus que o viesse buscar, pedia apenas que o ajudasse a continuar vivo... Na esposa pensava sempre que via algum cadáver por aquelas terras... nessas alturas não evocava o seu nome mas somente rezava a Deus.

Morreu e acordou um segundo depois...





Feliz.