Wednesday, February 21, 2007

Um poema de Anónimo (um dos meus autores favoritos)

À medida que vamos crescendo
aprendemos que até aquela pessoa que era suposto nunca nos desiludir...
provavelmente o fará mesmo.

Sentirás o coração destroçado
Provavelmente mais do que uma vez
E que de cada vez é sempre mais doloroso.

Também tu destroçarás corações
Pelo que te deves lembrar do que sentiste quando te aconteceu a ti

Discutirás com o teu melhor amigo
E culparás o teu novo amor por coisas que um anterior te fez.

Chorarás por que o tempo passa demasiado depressa
E certamente perderás alguém que amas

Por isso, tira muitas e muitas fotografias
ri-te muito e muito

e ama como se nunca tivesses sido magoado

Porque cada sessenta segundos que desperdiças aborrecido

é um minuto de felicidade que nunca te será devolvido

Não temas por teres que morrer, teme por poderes nunca chegar a viver

Anónimo




A minha amiga Anne Morrison enviou-mo...

Com o meu amigo Wilson traduzi-o...



versão original:
As we grow up, we learn that even the one person that wasn't supposed to ever let you down probably will. You will have your heart broken probably more than once and it's harder every time. You'll break hearts too, so remember how it felt when yours was broken. You'll fight with your best friend. You'll blame a new love for things an old one did. You'll cry because time is passing too fast, and you'll eventually lose someone you love. So take too many pictures, laugh too much, and love like you've never been hurt because every sixty seconds you spend upset is a minute of happiness you'll never get back.
Don't be afraid that your life will end, be afraid that it will never begin.


Wednesday, February 14, 2007

Despedida de Heitor à sua mulher Andrómaca

Pois isto eu bem sei no espírito e no coração:

Virá o dia em que será destruída a sacra Ílion

assim como Príamo e o povo de Príamo da lança de freixo.

Mas não é tanto o sofrimento futuro dos Troianos que me importa,

nem da própria Hécuba, nem do rei Príamo,

nem dos meus irmãos, que muitos e valentes tombarão

na poeira devido à violência de homens inimigos -

muito mais me importa o teu sofrimento, quando em lágrimas

fores levada por um dos Aqueus vestidos de bronze,

privada da liberdade que vives no dia a dia:

em Argos tecerás ao tear, às ordens de outra mulher;

ou então, contrariada, levarás água da Messeida ou da Hipereia,

pois uma forte necessidade se terá abatido sobre ti.

E alguém assim falará, ao ver as tuas lágrimas:

Esta é a mulher de Heitor, que dos Troianos domadores de cavalos

era o melhor guerreiro, quando se combatia em torno de Ílion.

Assim falará alguém. E a ti sobrevirá outra vez uma dor renovada,

pela falta que te fará um marido como eu para afastar a escravatura.


Mas que a terra amontoada em cima do meu cadáver me esconda

antes que oiça os teus gritos quando te arrastarem para o cativeiro.


Homero, Ilíada, Canto VI, vv.447-465, Tradução de F. Lourenço, Edições Cotovia.

Thursday, February 08, 2007

A minha filha e a questão do Aborto


Ontem, resolvi explicar à minha filha Vitória (5 anos) a razão de tanta gente a falar sobre o Aborto na TV...

Sendo que a minha posição é a de um NÃO claro, decidi enfrentar o desafio da explicação com um objectivo: ser imparcial, chegando mesmo a pensar que se ela me viesse a dizer que estaria de acordo seria um objectivo concretizado!

Comecei a explicação pela questão da concepção...

o pai põe a sementinha na barriga da mãe...

claro que veio a pergunta óbvia: “Como?

e mais uma vez lhe expliquei que – resumidamente: o que os homens têm a mais no corpo têm as mulheres a menos e, quando se unem, há uma completude e a semente liberta-se – e lá se lembrou e quis passar à frente...

bem, sementinha a crescer (tentei desvanecer a ideia do “nascer” a favor de um “crescer”), ainda não é um bebé-bebé-mesmo, que tamanho vai tendo etc. E eu ia oscilando entre os termos de “bebé” e a “semente-a-crescer”... depois a questão de certas senhoras não quererem ter um filho, etc... e que vão “tirar”... mais uma vez: “Como?” – injecção, tesoura, aspirador (estranhamente, gostou desta opção!!!!), etc.

O assunto estava preparado... agora, - essas senhoras se quiserem podem abortar nos hospitais? Esse é o assunto que se discute...

- Vitória, que achas?

- Acho que vocês são bonzinhos porque me terem deixado crescer!
(quase me vieram as lágrimas aos olhos)

Cerca de 20 minutos depois veio ter comigo e disse:

- Pai, acho que as senhoras devem poder ir aos hospitais abortar!

- Por quê, filha?

- Porque se as mães são más, é melhor os filhos não as terem.

Tentei explorar a questão e a ideia era a de que se a mãe estava disposta a matar, seria por ser má, sendo má, mais vale não ser filho dela.

Toda a minha carreira académica se curvou perante tal argumento... mas não desisti da minha isenção, e expliquei-lhe que poderia não ser um matar-matar-mesmo, mas fui aniquilado com uma pergunta retórica:

- Mas não é com uma tesoura e já não tem este tamanho (mostrando-me a mão em concha)?


Fiquei tão orgulhoso quanto perturbado por ter estado tão próximo da Verdade!


Saturday, February 03, 2007

Prefácio ao Diário do Sedutor de Kierkegaard

O grande filósofo dinamarquês, Sören Aabye Kierkegaard, viveu intensamente a sua obra; cada livro é um pedaço da sua vida, um farrapo da sua alma.

Sobre toda a sua vida, animada de um espírito impregnado de uma filosofia profundamente religiosa, pesa para todo o sempre um anátema. O pai, um dia, simples pastor na Jutlândia, maldisse a sua sorte, amaldiçoou Deus; e ao voltar para Copenhaga, rico, por um acaso, o remorso de ter ofendido o Senhor, influiu poderosamente na sua alma religiosa de pastor.

Daí veio uma imensa melancolia, transmitida ao filho, Sören, que ainda mais se agravou quando este veio a conhecer a tragédia espiritual do pai. E fez-se um triste.

Um dia, porém, um raio de luz veio iluminar-lhe a existência. Sören amou profundamente Regina Olsen, espírito oposto ao seu, toda vida e alegria; esta alegria ainda mais lhe exacerbou o seu fundo de tristeza. Na alma travou-se-lhe uma luta entre o seu amor e a sua melancolia; esta venceu e ele tornado um melancólico cerebral, viu que não tinha o direito de sacrificar para sempre a existência de uma rapariga toda vida, mocidade, saúde.

Por isso, passado um ano de luta desfez o casamento já anunciado a todos. E para se justificar escreveu o livro "Diário do Sedutor". Era um livro para ela, para que o lesse e lhe perdoasse o muito que a tinha feito sofrer. Recalcou no íntimo do peito a veemência do seu amo; e fingiu-se um egoísta, que apenas quis, friamente, por uma questão estética, brincar com a felicidade de uma rapariga. E chegaria a ser revoltante, a sua gélida ironia, se não se adivinhasse através deste livro, quanto ele devia ter sofrido...

Daí em diante a sua actividade literária foi extraordinária; escreveu por necessidade, como que para desabafar. Deixou uma obra colossal, toda repassada da sua originalíssima filosofia. Os seus inúmeros escritos, a maior parte sob pseudónimos, são a ilustração da sua filosofia: cada personagem é uma ideia, cada livro a confirmação prática do seu sistema.

Por isso o mundo dos seus personagens é um mundo estranho, de névoa, misto de verdade e paradoxo. Ao ler-se a sua obra, disseminadíssima, mas obedecendo ao plano geral da sua Ideia, fica-se como que fulminado, pelo arrojo das concepções, pela variedade de pensamentos, pela sua prosa bizarra, ora grandiosa e empolada, ora simples, como prosa para crianças. Umas vezes é obscuro nas suas imagens, pedaços do seu pensamento íntimo que se revelam, incompreensíveis para nós; outras vezes, serve-se de assuntos banalíssimos, quase ridículos, para ilustrar os mais elevados problemas da sua filosofia.

Desta, difícil será dar uma pálida ideia neste lugar; referir-me-ei apenas à parte de que o “Diário do Sedutor” é, por assim dizer, a ilustração.

Entre os vários estádios que ele reconhece no caminho da vida, o primeiro é o estético. O homem deve tirar da vida todo o partido possível, para viver sob um ponto de vista estético; deve tirar dela apenas o que ela encerra de interessante; necessita para isso de moldar os indivíduos e as situações à imagem do seu ideal estético.

A primeira condição para obter este fim é a liberdade absoluta: nada de prisões. É necessário viver a vida fora dela; passar como uma rajada de vento, que tudo envolve, que tudo arrasta e faz girar a seu bel-prazer, e em seguida desaparecer em busca de novas sensações. Conseguido o ideal estético numa determinada situação, o interesse desapareceu. Por isso o "Sedutor" vai pela vida adiante, moldando nas formas requintadas do seu capricho de esteta a feminilidade tornada plástica das suas vítimas.

Não é, pois, um sedutor na acepção vulgar da palavra. É um artista do amor. Busca em cada mulher o que ela lhe pode dar de interessante: nesta um olhar, naquela um sorriso, noutra a forma graciosa de saudar. Não se serve de mentiras, dessas mentiras vulgares com que se seduz normalmente uma alma ingénua de rapariga. Tudo o que faz é por vontade delas. Se promete casamento a Cordélia Whal, a heroína fictícia deste livro, é porque sabe que há-de ser ela própria quem o desligará da sua promessa, porque ele há-de levá-la a querer amá-lo com a máxima liberdade infiltrando-lhe no espírito a única, a verdadeira maneira de amar e de ser amado - na mais absoluta liberdade - fora de qualquer preocupação de ordem ética, fora dos convencionalismos sociais, portanto. "O amor ama o mistério - estar-se noivo é um bando; o amor ama o balbuciar submisso - estar-se noivo é um pregão" - diz ele numa das suas cartas à sua vítima.

Cordélia Whal vê de repente abrir-se-lhe um horizonte novo - assim é que deve ser o amor verdadeiro, livre como o pensamento, e como o pensamento entregue só à criatura amada.

Regina Olsen, por muito que o amasse, nunca poderia ser completamente livre - e o matrimónio é uma prisão. Por isso ele a abandona; por isso o seu amor, ansioso de liberdade, se estiola e morre na perspectiva de uma prisão de carácter ético.

É esta a sua justificação.

Regina não o compreendeu; suplicou-lhe que não a abandonasse; ele ficou mudo, inflexível, cruel para ela, muito mais cruel para si próprio.

E acabou tudo; a maldição herdada de seu pai, tinha-lhe obscurecido a única claridade, que suavemente lhe poderia ter iluminado a vida.

O anátema tinha-se cumprido...