Sunday, October 30, 2005

Senhor das Tempestades

Senhor das Tempestades é, para mim, o nome pelo qual mais se vislumbra a essência de Deus. O seu poder é algo de incomensurável através de medidas humanas, está claramente fora – além.


Desde pequeno, e nunca serei grande, admiro uma trovoada como algo sagrado.


Ali se espelha uma tal força concentrada que, simplesmente, não se esgota…



De repente, o céu cobre-se de um manto opaco e começa uma amplitude de
cores que nos leva a compreender que tudo o que nos rodeia é claramente tudo menos cinzento, são cores e formas que não estamos habituados a ver – vivemos dias e dias sem olhar para nada com os sábios olhos de uma criança... e o trovão lança luz sobre um mundo que não sendo novo o é para nós naquele momento.

E chove continuamente, a água que cai – e bela, brilha enquanto cai… mas só para quem está atento!! E, acreditem, há quem viva uma vida inteira sem conhecer o prazer de andar à chuva, recolher na sua face aquilo que compõe as nuvens… ah e depois ainda fica em espelho no chão para reflectir cintilantemente os mais pequenos pormenores de mundo.

Claro que é bom pensar na bonança sequente a uma tempestade – quase tão bom como ansiar pela tempestade em tempo de acalmia.

Cai um raio, depois ouve-se a cair, como se a simultaneidade dos dois elementos fosse demasiado para um momento só.

Destruição, sim. Mas não se deve nunca esquecer que é a mesma força que tudo construiu, e não nos alegramos com a beleza do existente, e se nunca ousámos dar-lhe valor, por que Raio, havemos nós de condenar o que a destrói… e terá alguma vez a destruição sido completa? Não.

Sempre de novo tudo se renova incessantemente.

A tempestade é apenas
um sinal e um passo decisivo para que a mudança se consubstancie.

Não há mudança – tão-pouco melhoria sem que haja momentos de ruptura.

Gosto de crises, é quando mais cresço.

Saturday, October 29, 2005

O Tempo e a Eternidade

A agonia do ser humano perante a sólida e seráfica passagem do tempo, esta incapacidade para o parar, acelerar, dilatar, comprimir, etc. é luta de Quixote contra gigantes.

Vezes há, que me aborrece profundamente ter que viver no tempo, neste tempo que anda sempre de forma igual... que tudo muda menos a foram que tem de tudo transformar.

Por vezes consigo escapar e ficar a vê-lo, a perspectiva não é bela pois convence-nos de que tudo tem, ou um fim para o qual inexoravelmente se dirige, ou um princípio do qual não consegue desvincular-se. Por isso, faz todo sentido perguntar por esse princípio – porQUÊ? – e pelo objectivo que tende a concretizar – para QUÊ?

Aqui começa-se a entrever a presença de algo que, esse sim, está para além do ontem, do hoje e do amanhã... repare-se na maravilha que é a questão:

“Quando” foi criado o tempo?

E todas as formas que temos de medir o tempo são enganosas... a ilusão de circularidade: as estações, os meses, os dias da semana, as horas, tudo se repete e, parece voltar ao mesmo depois de cumprido um percurso.

Mas não, caminhamos para a morte num passo tão certo... jamais viveremos o mesmo momento, hora, dia, semana, mês, ou ano. Estamos condenados a viver no tempo e toda a nossa liberdade o é adentro destes cerrados limites. Podemos olhar para trás e recordar, podemos olhar para a frente e sonhar, mas não podemos de deixar o aqui e agora.

Bem, se isto é assim, também de nada vale qualquer revolta, embora deva sempre repousar em nós aquela noção de pertença a uma eternidade onde todos os tempos são um, onde todos podemos brincar ao tempo – qual criança que põe e dispõe de um qualquer brinquedo.

Não sou daqui, vivo cá e gosto de aqui estar, mas lá – de onde sou – o mundo não se deixa reger pela ditadura da temporalidade.

Quem poderá ter dúvidas da existência de Deus? Ele que nos criou e nos dá esta vida para que saibamos quanto há num dia... poderá alguém compreender a dimensão e o valor da eternidade se não houver compreendido a temporalidade?

Aqui no mundo tudo tem princípio, meio e fim. Trata-se pois de viver e aproveitar o tempo como for possível, quais terroristas da eternidade que, em terra alheia, sempre entrevêem caminho para a sua verdadeira pátria.

Somos de Deus, não nos deixemos render!

Caminhamos para a Morte e para Ele.

Vivamos pois de acordo com a inteligência de que somos capazes.



Friday, October 21, 2005

Donde brota o Sonho

Existe em todos os dias algo que nos fez pensar que nada nunca muda.

É um assalto de estagnação. Todas as conversas e pessoas nos soam estranhamente como que se já entranhadas em nós, não há novidade alguma, apenas uma repetição do já ora vivido.

É um tédio desgraçado, do qual só se sai com um tremendo esforço para descobrir algo de novo na paisagem cinzenta da nossa existência em dias como este.


Mas há, em dias iguais ao d'hoje, uma sensação única de suave conforto: a vida afinal não é lá grande coisa, pouco mais do que duas ou três colecções de postais de sentimentos que uma vez vividos tornarão a aparecer com a mesma injustiça que quem vê a recém-comprada carteira de cromos trazer apenas e tão-só... repetidos! O conforto advém da não necessidade de se ser algo mais, de não ter que romper cadeias que nos mantém longe dos céus da alegria de viver... afinal, isto é sempre a mesma coisa!

Contudo, esta ideia dolorosa de triste e bem calacada podridão faz nascer de si mesma uma imensa, e quasi divina, geração de sonhos e forças para que as tais belas-ideias se façam realidade.

Uma espécie de árvore que recolhe todas as suas energias dum solo composto de matérias inertes, amorfas e de natureza aparentemente estéril. Surgem assim os melhores dos meus sonhos... quando a realidade é pobre (e podre) nascem precisamente daí ideias de mundos mais harmoniosos, belos e propiciantes de felicidade. E, com os sonhos, tudo muda, de súbito surgem pontos fracos no cenário cinzento, quais estrelas num céu nublado... e sorrimos com a ideia clara de que somos precisos aqui para sofrer, sonhar e, enfim, para mudar tudo isto!

Tuesday, October 18, 2005

Vento, Amor, Acaso e Deus

O vento é a melhor metáfora do amor.

De tudo faz e ninguém o vê… conhecem-se apenas os seus efeitos… vêem-se as folhas que voam nele e por sua causa…

Assim também, o amor é de uma invisibilidade tal que os mais cépticos e os adeptos dos factos científicos não encontram espaço, nos seus sistemas, para o Amor.

Revolta profunda foi o que senti quando alguém bem intencionado me tentou convencer que eu, como aliás qualquer outro ser humano, era resultado da fusão fortuita de um (imagine-se: entre 300 milhões por cada ejaculação!!!!) espermatozóide com um óvulo (também ao acaso!!!). Mais, que os meus progenitores eram, também eles, resultado de outros 2 acasos, e eles de 4, e de 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024… QUEM ACREDITA EM TANTOS ACASOS TEM CONCERTEZA MAIS FÉ QUE EU!

O Acaso é apenas um nome que se reserva a complexidades de que desconhecemos a natureza… quando há algo tremendamente difícil de que desistimos damos-lhe o nome de ACASO ou de CAOS. Dois nomes para duas ignorâncias disfarçadas de conhecimento.

Também Deus é invisível, mas conhecem-se os seus efeitos… como defendeu com toda a sabedoria S. Tomás de Aquino: Como pode alguém contemplar verdadeiramente uma flor e tomá-la como sendo fruto do acaso??? A ideia do EU ser resultado de uma evolução qualquer onde gerações atrás de gerações se sucedem até que, enfim mas por acaso, eu nasço me parece tão improvável quanto a ideia de um Adão e de uma Eva…

Não defendo, porque não acredito, na ideia de um par original. Mas também não acredito que EU tenha sido fruto de um acaso global que segrega ao acaso acasos atrás de acasos… Há certamente algo aqui… não acredito no acaso, porque – à maneira dos meus amigos ateus militantes – nunca o vi. O que vejo em meu redor é todo um mundo belo e cheio de pessoas valiosas que TINHAM que ter nascido.

Porque… porque nem um cabelo no chão é um acaso.

Friday, October 14, 2005

Um Espelho para ver o Outro

Existe lá para as índias um chão de água que pretende representar um pequeno espelho por onde um homem passou os últimos dias da sua vida a contemplar um templo que mandou erguer em memória da sua amada esposa.

A história parece ter começado quando o príncipe Shah Jahan se apaixonou por uma donzela com a qual se cruzou num bazar - algo estranho pois tinha direito a cerca de mil mulheres! - chegando ao ponto de lhe oferecer de imediato um enorme diamante.

A Princesa Aryumand Banu Begam recebia do seu amado esposo o nome de Mumtaz Mahal (Jóia do Palácio), e deu à luz, ao seu esposo e a todo o reino, 14 crianças. Mas o parto do 14º foi-lhe fatal.


Corria já o século XVII, e o Imperador Shah Jahan tomou então a decisão de erguer um monumento ao (seu) Amor. Demorou mais de vinte anos a executar o planeado, contou com 22.000 artistas escolhidos entre os melhores artistas do seu reino e dos reinos adjacentes, só utilizou matérias-primas nobres, não se tendo coibido de usar, por exemplo, esmeraldas no topo das cúpulas – onde não se conseguem contemplar a olho nu. Permitam-me um pormenor: a brancura do mármore ainda hoje dá uma sensação de fluorescência se visto ao amanhecer ou ao crepúsculo, mas é ao luar que se compreende que o amor é luz nas trevas.

Continuando a nossa história: Um dos seus filhos querendo tomar de seu pai o trono encarcerou-o sob a acusação de insanidade – tendo o monumento como prova! Shah Jahan passou assim os últimos anos da sua vida a contemplar um espelho por onde lhe era permitido ver a obra que tinha erigido em honra dessa outra obra quase divina de que lhe foi permitido fazer parte: um grande amor.

Morreu com o espelho na mão e com ele assim foi enterrado bem perto da sua amada.

O lago é aparente e resulta da presença de um rio, os ciprestes que o ladeiam são velas que velam... e humanos que caminham para o templo...

Monday, October 10, 2005

O meu Amigo Tó

O meu amigo Tó tem 8 (sim! Oito) filhos.

Tenho, por ele, uma admiração que se cruza com uma ténu
e inveja. Eis os nomes das crianças:

Inês, Mariana, Tiago, Maria, Joana, André, Miguel e José

Aprendo com ele a uma taxa altíssima de aproveitamento de ensinamentos por hora de convivência, talvez pela minha admiração chegar a um ponto que me torna incapaz de questionar o quer que me diga.


E, depois, tem uma humildade tal que acabei por ter de rever a minha escala do que é ser Humilde. Depressa se instalou a amizade entre nós e mais facilmente mostrou aceitar-me no seio da sua família…

As pessoas que se deparam com a situação teórica de ter uma família de 10 pessoas, referem de imediato da necessidade de dinheiro que um cenário desses exigiria. Ora, o problema – segundo me parece – está bem ao lado: não se trata de ter uma família de 10, trata-se de SER a décima parte de um todo, e de acreditar que o Amor pode muito, une e transporta em si uma família de 10 ou mais… sim, ou haverá alguém que ouse pensar que o meu amigo Tó se assusta com o anúncio da chegada de mais?

Vejo na sua atitude quotidiana uma grandeza de carácter raríssima. A fé que deposita Naquele que dá a vida é exemplar. ...o Tó é capaz de pensar e falar acerca do sacrifício pedido a Abraão...

Deixei para o final algo que é, talvez, o mais incrível desta história (compreenderei portanto todos quantos forem descrentes a este nível) os filhos do meu amigo Tó são LINDOS, quais anjos (sim sim, loirinhos e olhos de um azul celeste!!!)… não, não se trata de emoção, tão-pouco elogio mais ou menos requintado, É A VERDADE.

Talvez porque… talvez porque Deus assim quis.


E a Madalena… a sua força e calma, ao que sei, são as de quem só pode ter sido escolhida para boa mãe.

Obrigado Tó.

Friday, October 07, 2005

E o AMOR?

Sobre o Amor sempre me ocorre uma ideia que nasceu da contemplação de uma oração que tantas e tantas vezes rezei, ei-la:
Senhor Jesus
Ensinai-me a ser generoso
A servir-Vos como Vós o mereceis

A dar-me sem medida

A lutar sem cuidar das feridas
A trabalhar sem procurar descanso

A gastar-me sem esperar outra recompensa senão saber que faço a Vossa vontade Santa

Ámen


Ora, sempre vi em todas estas linhas uma espécie de concretizações de uma fórmula mais simples:
Ensinai-me a Amar.

E é sempre deste fluxo que emana do mais íntimo em direcção ao outro que se fala… cedo compreendi que o oposto ao amor não é, de forma alguma, o ódio.

É o egoísmo, por ser o movimento contrário – um fluxo de absorção.


Amar é dar, não dar isto ou aquilo – dar o que sou, ser para dar.

Se me dou constituo o outro, da mesma forma que sou um resultado da fusão de muitos amores que me tiveram como alvo/receptáculo.


Não morro tão cedo, porque para morrer por completo teriam de desaparecer todos quantos já amei… afinal não morreram todos quantos me morreram, porque vivem em mim – deram-se-me.


Obrigado a todos quantos sou.

Thursday, October 06, 2005

Uma questão da "Felicidade"

Dizem os budistas que se se trata de concretizar objectivos, então, mais do que a luta empreendida para os alcançar, há que diminuí-los ao ponto mínimo... assim, tudo seria razão de felicidade.

Há, no nosso mundo, um apelo constante e quase tão profundo quanto o nosso ser ao consumir... sementes de desejos daninhos que crescem e se alimentam da nossa pré-fabricada frustração por não os satisfazer... Já escrevia Platão que sendo a nossa alma semelhante ao líquído de um tonel, os desejos seriam furos que auto-infligiríamos a esse recipiente... todo o trabalho para a edificação e crescimento da alma de nada valeria pois, pouco tempo volvido, acabaríamos esvaziados de nós próprios... deixando a nossa alma na mão dos semeadores de sonhos materialistas.

É-me difícil lidar com os meus apetites. São tantas as vezes que "quero" comprar e ter, que pouco me aplico na construção do ser... e tendo consciência de onde está o que intimamente viso, ou não tivesse já cheirado a felicidade, pior me encontro quando sigo por caminhos opostos ao daquele que me levará ao eu feliz... ao daquilo que DEVIA ser.

Farei um esforço por anular, na medida do possível, essas sementes que alguém em mim plantou e que teimo em alimentar.

Não imagino pior que chegar a velho e ver a nossa vida como um enorme falhanço... e gritar como um dos personagens de Raul Brandão:
Estou gasto e velho, porque, sem - ó desgraça - ter vivido, tudo vivi.
(tudo vivi: consumi o tempo todo; sem ter
vivido: sem ter conseguido viver em profundidade, em significado existencial)

Wednesday, October 05, 2005

O Porquê da minha Admiração pelo Cipreste


Há um tempo atrás fui a casa do meu amigo Martinho, bisneto de Raul Lino - Famoso arquitecto de idos tempos, que tinha na sua casa uma marca que muito me despertou a atenção: AZAD escrito em persa. Era A marca do famoso arquitecto... quer dizer Cipreste e foi o Martinho quem me deu mais dados sobre esta ideia, a meu ver, genial.

Perguntaram a um homem sábio: "Cada qual tem a sua missão e o seu tempo próprio, durante o qual é forte e fértil, e na sua ausência fraco e seco; a nenhum destes estados transintórios está o cipreste exposto, florescendo sempre: e desta natureza são os azads. Não fixam o seu coração no que é transitório. (...) Se na tua mão houver abundância, sê generoso como a tamareira; mas se nada tiveres para dar, sê um azad, ou homem livre, tal como o cipreste.

Sa’di de Xiraz
Depois, foi um sem número de reflexões que me apontavam sempre para as peculiaridades dessa árvore que teimamos em considerar de forma básica como: a dos cemitérios.

Tentarei, ao longo daquilo que aqui escreverei, divulgar as qualidades do cipreste.

Óbvio: Obrigado Martinho!