Thursday, December 29, 2005

Moleskine



Confesso que este é um post íntimo.

Eu gosto tanto de Moleskine!

O que é um Moleskine? É uma marca de cadernos cuja perfeição se revela nos mais ínfimos pormenores. Existem na linha Moleskine uma panóplia de modelos com diferentes tamanhos e layout de página.

Existe apenas um modelo que nunca comprei e que me parece pouco adequado: a agenda anual... há claro vários modelos! Mas a minha resistência deve-se ao facto de respeitar tanto a folha em branco de um Moleskine que me parece ser quase um crime preenchê-la com banalidades.

Ah claro, há sempre quem diga: caros!!! Pois para a maior parte de vós pode parecer que não há caderno que valha 10 euros, mas há...

Tenho um tal respeito pelos Moleskine que nada de importância escrevo à mão sem ser num dos míticos cadernos, teimei perante mim mesmo porque enquanto não encontrei o modelo perfeito para elaborar apontamentos para a tese de doutoramento não dei início aos trabalhos, o que demorou cerca de 3 meses!

Outra miséria pessoal acerca dos famosos cadernos é o facto de, pessoalmente, nunca ter os suficientes... até porque quando quero dar uma lembrança/prenda com classe lá se vai um dos meus... espero que este texto me ajude a inverter a tendência de os só dar...

Procurem-nos...




Saturday, December 17, 2005

Sebastião

África, sec. XX, anos 90. Guerra e fome.

Uma mulher acabava de dar à luz um filho, um menino, a alegria misturava-se com o som de rebentamentos e com o barulho do vento no colmo de sua casa.

Ela fez tudo: cortou o cordão, lavou o menino na água que tinha andado a poupar havia já algum tempo para esse efeito, por fim abraçou-o e pediu-lhe desculpas em nome do mundo pela condições em que se tinha verificado a sua chegada.

Deu-lhe o nome de Sebastião e tudo o que pensava era em relação a esse menino, ao seu menino, quando saía era para procurar o que comer... por vezes não encontrava nada e entrava na cabana muito triste, rezava... depois dava de mamar ao menino, ele adormecia e ela voltava à rua para procurar comida... estava cada vez mais exausta, pois cada vez menos encontrava de que comer.

Uns vizinhos, os Bidá, moravam a 500 metros e tinham-na ajudado durante os últimos meses de gravidez, ou melhor, a senhora Bidá fazia questão de partilhar com a futura mãe do Sebastião o que o seu marido conseguia arranjar, embora este não gostasse nada disso porque era bruto e egoísta. A senhora Bidá não, era amiga. A mãe do Sebastião bateu à porta dos Bidá mas ninguém respondeu... e agora... não estavam, nada tinham deixado, tinha sido com certeza ideia do senhor Bidá. Voltou para a sua cabana, o menino chorava e por isso encostou-o a si e tentou explicar-lhe que o futuro era algo de muito difícil.

Deu-lhe de mamar... mas pouco antes o seu organismo já deixara de permitir que existisse a fonte para saciar o menino, estava magra e embora o Sebastião estivesse bom, ela estava completamente desesperada mas não podia deixar-se morrer pois isso implicaria a morte do menino!

Foi procurar mais uma vez algo para comer quando a cerca de 10 metros da cabana as suas pernas a traíram, caiu e não conseguia levantar-se, estava completamente só, ninguém a podia ajudar mas ela não acreditava nisso e por isso chorando lágrimas que já nem água tinham, rezou da seguinte forma:

Meu Deus,
Este mundo é cruel...
Preciso de Ti, preciso da Tua ajuda para a vida do Sebastião.
Se nasceu, e acredito nisso como tendo sido um dom Teu, porque me deixas só? Porque o deixas morrer? Ouve, ele chora e eu aqui sem ter forças para me levantar... e mesmo que me levantasse precisava ainda de mais ajuda Tua.
Meu Deus, sempre acreditei em Ti e jamais pensei que o menino viesse a morrer e eu sem nada poder fazer. Agora nem sequer posso estar a seu lado...
Meu Deus, porque morrem as crianças? Porque morrem aqueles que existem de mais inocentes?
Peço-Te que me ajudes a levantar-me e que... só Te peço que me ajudes a levantar e que possa explicar ao menino o que se passa, bem sei que nada compreenderá mas talvez eu o oiça a ele.
Ajuda-me, Meu Deus... ... Amen.

A muito custo ergueu-se, entrou na cabana já de gatas e não ouviu o choro do menino... olhou para o berço e... o Sebastião já não estava lá, tinha morrido. ... Olhos esbugalhados, língua de fora... completamente imóvel e horrorosamente branco...

Ela disse então:

Sebastião, meu filho, Deus sabe que fiz tudo o que me era possível para te dar a vida, para que vivesses, infelizmente não posso fazer mais nada.

Abraçou o corpo já um pouco duro e frio do menino e pensando no sentido da vida, rezou:

Meu Deus, acabou, acabei... desculpa-me a falta de esperança. Obrigado. Amen.

... alguns segundos depois caiu no chão, primeiro de joelhos, depois de costas... abraçando sempre aquele que fora outrora o seu menino... e ali morreu, completamente sozinha.

Começou a trovejar, chuva e ventos muito fortes.

...algum tempo depois uma mulher que fugia ao temporal viu a cabana e entrou, mas ficou assustada com o que viu. Como era possível tal coisa??? O medo era tanto que nem sabia o que fazer: como podiam estar ali no chão... duas velas acesas... uma caída sobre a outra, deixando que... deixando que fossem duas velas mas uma só chama.

A mulher ajoelhou-se e disse:
Deus isto é obra Tua e Amo-Te do fundo do meu coração mas agora nem sei o que dizer... Amen.

A senhora Bidá fugira do seu marido e tinha voltado para tentar ajudar a sua vizinha mas logo percebeu que além de já não ser necessário... ...Agradeceu a Deus a força que Ele lhe tinha dado para chegar até ali, sorriu e morreu.

... eram três velas... ...uma só chama, alta... como que apontando para quem a tinha acendido.