
Vivia sozinho numa casa onde nada faltava... a não ser um outro... e Guilherme começou a sentir a falta desse outro quando um dia a luz faltou... TV, Hi-Fi e tudo o resto silenciou-se... O silêncio teve então hipótese de ficar a sós com Guilherme... sentiu uma falta muito grande, a falta de algo... alguém!
Um dia resolveu acabar com o silêncio e procurar uma mulher para casar... viu muitas... falou com algumas... não gostou de nenhuma.
Quando chegou a casa pensou que tinha de ter calma, manter-se sereno... pois uma escolha apressada poderia estragar tudo.
Meses após meses Guilherme procurou com muita paz a mulher com quem casar, com quem dividir o que tinha... um alguém que lhe enchesse o que agora sentia tão vazio... mas era muito difícil... Ou eram comprometidas ou então não queriam nada com ele...
Manteve-se calmo... Trabalhava, dormia e procurava a mulher da sua vida... durante anos...
Cada vez mais o silêncio de sua casa lhe metia medo... então, uma noite, antes de adormecer, começou a pensar que afinal de contas ele até estava a viver uma vida boa... apesar de alguma frustração que lhe advinha do facto de não encontrar quem procurava... a sua vida até era, na sua globalidade, uma vida boa... não tinha atritos com ninguém, trabalhava honestamente e era recompensado de acordo com isto... muita gente o admirava e tinha até já servido de exemplo a muitos que se apressavam a procurar outro alguém... Guilherme costumava dizer: " Eu também procuro um outro alguém... mas com a paz de quem quer escolher bem... com a paz de quem vai acertar... com a paz de quem, mais cedo ou mais tarde, vai ser muito feliz porque encontrou o seu outro... e o ama."
Guilherme naquela noite viu que tudo em si até nem estava tão mau como às vezes sentia... por vezes sentia-se mergulhado num poço onde gritava e nem eco havia... porque o seu grito era de silêncio...
Por fim adormeceu...
Foi acordado na manhã seguinte por um cheiro a flores... uma senhora muito bela estava perto da sua cabeceira com um enorme arranjo de flores... ficou espantado... e teve que perguntar como é que ela tinha conseguido entrar...
Ela não lhe respondeu a essa pergunta, mas respondeu à outra que ele ainda não tinha feito:
"- Sou uma mulher que esperava alguém a quem dar o amor que tenho e guardo... sempre tive medo de procurar por medo de não acertar... por isso, simplesmente esperava... até que o vi. Os seus olhos mostraram-me uma paz que não tive dúvidas em ver em si aquele que eu esperava... passou algum tempo e cansei-me de esperar, resolvi procurá-lo e aqui estou... chamo-me Beatriz, tenho 32 anos, sou solteira e amo-o sem o conhecer... ..."
Guilherme nem acreditava... com a boca completamente aberta olhava Beatriz.. nem sabia o que pensar ou sentir... um sonho?! Não... Ela era loira e trazia o cabelo apanhado atrás, muito bem esticado... parecia ter 25 anos... era muito bela...mas... mas... se calhar era um sonho... ele não estava a compreender absolutamente nada... Por fim perguntou:
"- Beatriz... como consegue amar-me sem nada saber de mim, a não ser a forma como eu a olho e... pelos vistos a minha morada... pela minha boca nada sabe... nem sabe o que penso ou sinto por si!?"
Ela respondeu-lhe com serenidade dizendo:
"- Guilherme... desculpe-me mas vou-me embora, não porque esteja desiludida, mas porque me estou a sentir motivo de confusão... quando quis ser motivo de uma alegria de fusão... Desculpe-me... voltarei um outro dia..."
Guilherme agarrou-lhe na mão e disse:
"- Beatriz... não vá... amo-a... é você!!!"
Alguns dias depois já viviam juntos, como casados... só que não se beijavam nem trocavam palavras. Depois casaram e continuaram como estavam: sem beijos nem palavras, só o amor... só a sua forma bonita de amar...
Muitos anos mais tarde Beatriz não apareceu à hora do costume... Guilherme ficou muito preocupado, entretanto, tocou o telefone e uma voz lacónica perguntou se era o esposo de Beatriz, depois de responder afirmativamente, Guilherme ouviu a voz dizer-lhe que Beatriz tinha sofrido um desastre mortal, ele manteve-se calmo e desligou depois de saber o hospital, ou melhor, a morgue em que ela se encontrava e dirigiu-se para lá... Identificou-se e passados alguns momentos viu o cadáver de Beatriz... Chorou três lágrimas e depois foi para casa...
No enterro estava sozinho... Levou as pétalas das flores com que outrora Beatriz o tinha acordado e que tinha guardado todos aqueles anos... deitou-as por cima do caixão e foi para casa...
Guilherme veio a morrer num hospital da sua cidade... Morreu de velhice... Morreu porque o seu corpo não aguentava viver mais... o seu coração, a sua alma, esse era como sempre foi: Grande e Calmo.
Morreu... e foi sentar-se à cabeceira de uma cama onde Beatriz esperava calmamente por ele... o que ela não esperava era o beijo com que Guilherme a acordou..