Alfredo era adolescente quando ficou em casa sozinho durante um mês... os seus pais e irmão tinham ido passear para o estrangeiro... os seus poucos amigos tinham acompanhado as suas famílias nas férias... a sua namorada tinha-se apaixonado por outro e tinha acabado o namoro... Alfredo estava sozinho.
Cozinhava para si... lavava a loiça, a roupa e todo o resto de coisas que temos de fazer quando estamos sozinhos em casa...
Nos primeiros dias começou por usufruir de certas vantagens de estar sozinho... ouvia música no volume mais alto possível... via filmes até de madrugada... por vezes saía e ia até uma discoteca onde bebia álcool, muito álcool... etc....
Ao fim de 15 dias parou um pouco... desligou tudo e ficou em silêncio de frente para um espelho... olhou-se e começou a pensar que estava triste e que essa tristeza era, talvez, muito mais profunda do que aquilo que ele julgava antes... A ideia que lhe subiu à cabeça foi a de que a solidão é inimiga do coração, e que o profundo chorar que lhe ecoava do íntimo era fruto dos diferentes condicionalismos externos... estava só... e isso provocava nele tristeza...
Olhando-se sempre no espelho continuava a pensar na miséria do mundo, na tristeza de tantos homens sem pão, sem casa, sem família... sem nada... pensou nas guerras e nas catástrofes naturais... pensou na morte... a morte assustava-o só de ele a pensar...
Parou um pouco, olhou em redor de si e com um sorriso olhou-se no espelho e disse para consigo mesmo:
- Alfredo... estás vivo, tens o que comer, tens pais, nada te falta a não ser um pouco de companhia, de alguém com quem conversar aqui e agora... uma rapariga talvez... ou se calhar bastava-te um amigo... ou até mesmo o teu pai ou a tua mãe... se só te falta isso, não achas que deves estar feliz, pois afinal... afinal até tens com quem conversar: contigo mesmo... e como precisavas de falar contigo, com esse teu amigo tão grande e que sempre esqueceste!!!
E ficou a olhar durante muito tempo para aquele espelho que lhe mostrava aquele que ele sabia ser o seu melhor amigo e que só agora o descobrira...
Pensou depois na vida... e na morte, chegou à conclusão que ele não detinha a sua própria razão de ser... não era responsável pela sua existência... Pensou em Deus, e logo Lhe agradeceu o que segundo Alfredo era a Ele devido... ou seja... a vida, o pão, a casa... e o mais importante... este amigo que ele descobrira ter e ser esse o alguém que sempre procurou... Agradeceu a Deus o ter-se encontrado...
Não mais teve medo da morte, pois tinha como seus melhores amigos duas pessoas importantíssimas para ele... Deus e ele mesmo.
Acabou por deixar o espelho... e não sabendo muito bem o que fazer, pois o que acabara de descobrir era demasiado importante e não tinha aplicação prática ali e naquele momento... O que é que o Alfredo ia fazer?
Foi fazendo as tarefas que quem está sozinho em casa tem que fazer... mas não precisava mais de televisão nem de álcool pois os seus dois amigos mais importantes e curiosamente mais recentes chegavam-lhe... E foi assim que passou os 15 dias... conversando consigo mesmo... com Deus... e como eram afinal três, era muito engraçado o que acontecia quando havia um diálogo a dois e o terceiro escutava... era engraçado pois o terceiro era o mais importante... ouvia a discussão dos outros dois e aprendia a julgar, pois acaso houvesse um empasse no diálogo era chamado a intervir...
Mais engraçado ainda era quando o diálogo era a três... Era preciso uma ginástica de campeão olímpico para se ser sério e conversar de facto...
No último dia de férias dos seus pais, e por conseguinte, o seu último dia a sós... levantou-se e pensou o que iria acontecer no dia seguinte... Lá conversou com os seus dois amigos e ficou resolvido que o que de melhor havia a fazer ali e naquele momento era limpar a casa toda muito bem... preparar um grande bolo para festejar as boas-vindas dos pais e irmão... e com o dinheiro que conseguiu poupar, dado a sua descoberta a meio das férias, comprar alguns presentes para todos...
Assim fez...
Todos ficaram radiantes...
A partir desse dia viveu sempre em conformidade com a decisão democrática do conselho dos três amigos... Ele, ele e Deus.
Teve uma vida esplêndida... e quando já estava muito velho declarou aquela que viria a ser a sua última comunicação no conselho dos três amigos...
O que aprendi com a vida é que nas decisões tomadas por unanimidade tudo correu bem na prática... ou pelo menos a intenção era a melhor independentemente da concretização material do que se queria...
Quando um dos Alfredos perdia e a outra parte ganhava, as coisas corriam bem mas podiam correr melhor...
Quando era Deus que ficava a perder na votação...sempre foi trágico.
Por tudo isto, e que não é nada pouco, quero que aqui fique assente que o Alfredo é um bom amigo mas que nós os dois sem Deus somos demasiado pequenos e estúpidos... pois julgamo-nos detentores da verdade e grandes pois podemos decidir o que queremos... mesmo contra a vontade de Deus...
Quero pedir desculpas a Deus, pois o que sei hoje é que a riqueza da vida se obtém quando há diálogo Contigo... e que somos estúpidos quando Te achamos errado...
Estava quase a sucumbir quando disse as suas últimas palavras:
Deus... em verdade e com clareza vejo... agora mais do que nunca... que Eu sou um pouco de Ti... um outro eu... Teu... Um deus pequeno que és Tu e que pode falar sozinho... Era tão bom que todos os homens percebessem que são o reflexo no espelho... e o que é um reflexo no espelho... nada é, se nada estiver virado para ele...
Muitos são aqueles que se procuram no reflexo do seu reflexo... a esses peço-Te, oh Deus, que lhes dês um espelho como fizesTe comigo...
Morreu tremendamente feliz... pois tinha em si a sua razão de ser, Deus... e... missão cumprida... voou até Ele...
1 comment:
Que bonito!
Que pena que nem sempre deixemos que Ele nos toque cá dentro!
Que pena que tantas vezes vivamos de costas pra elem pra nós e para os outros.
Adorei ler este bocadinho de ensinamento.
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