Sunday, October 26, 2008

A Existência de Deus


Não será uma tarefa extravagante pretender extrair dos actos de D. Afonso Henriques a prova da sua existência? Porque, se é verdade que a sua existência explica os seus actos, os seus actos não podem provar a sua existência! Além disso, na medida em que D. Afonso Henriques não é senão um indivíduo, não existe entre ele e os seus actos uma relação absoluta tal que nenhum outro indivíduo seria capaz das mesmas acções: é talvez a razão que impede de extrapolar dos actos à existência. De facto, se digo que os actos são de D. Afonso Henriques, então a prova é supérflua; mas se ignoro o nome do seu autor, como provar pelos próprios actos que eles são efectivamente de D. Afonso Henriques? Não posso ultrapassar a afirmação, inteiramente abstracta, de que procedem de um grande Rei...

Pelo contrário, entre Deus e os seus actos existe uma relação absoluta, porque Deus não é um nome, mas uma identidade pura, e é talvez por isso que a sua essentia involvit existentiam. Assim, os actos de Deus só Deus pode praticá-los; muito bem; mas quais são então os actos de Deus? De actos imediatos, a partir dos quais possa provar a sua existência, não vejo o mais pequeno vestígio, a menos que admita que a acção da Sua sabedoria da natureza, da Sua bondade ou da sua Sabedoria na Providência entre pelos olhos dentro. Mas, com isto, não abro eu a porta, pelo contrário, a tentações terríveis, tentações tais que não é possível superá-las a todas? Não, de tal ordem de pensamentos não consigo tirar verdadeiramente a prova da existência de Deus, e, mesmo que o tentasse, jamais conseguiria levá-lo até ao fim, enquanto me veria forçado a viver sempre em suspenso, com o receio de que me sucedesse de repente alguma coisa tão terrível como a perda das minhas pequenas provas...

Mas será que há quem acredite que a razão da minha existência se deve à existência cruzada de 2 vidas? Concedo que tal não me parecerá demasiado obtuso... mas caminhemos um pouco mais nessa direcção:
Ora, também os meus pais derivam eles do cruzamento de 4 vidas; e esses os – os meus avós – de cruzamentos de 8... eu – 2 – 4 – 8 – 16 – 32 – 64 - ... 50 gerações... 1.125.899.906.842.624 de vidas que tiveram que se cruzar para que eu estivesse aqui hoje?? Não vos parece que é preciso ter uma tremenda fé no acaso, bem maior do que a que tenho em Deus para acreditar que a minha existência a devo a 562.949.953.421.312 actos sexuais por alturas da existência de D. Afonso Henriques? Confesso que me parece de uma perversidade sem precedentes(1)!!!!

Pois bem, afigura-se-me como por demais evidente que, ou acredito cegamente numa potenciação dos cruzamentos de vidas de pessoas concretas... (será em alguma vez terão existido tantas???) ou, humilde e sabiamente, aceito que sou simplesmente a prova mais concreta, clara e indubitável da existência de Deus... EU.

Quererão mais provas, pois bem olhem-se ao espelho... façam contas(2)... e depois perguntem-se de onde terão vindo... de Deus. Somos actos de Deus, que na Sua infinita bondade nos deu Vida. Uma vida bem concreta.



1 - Isto para não termos que multiplicar por nº de espermatozóides de uma ejaculação (entre 250 e 500 milhões)... chego a considerar a hipótese ad absurdum de não haver sequer espaço no nosso planeta para a existência de tal ordem de grandeza...

2 – Não se arvora que a Matemática é uma ciência sumamente objectiva?

4 comments:

Paulo said...

Vistas as coisas por este prisma, tudo se pode por em causa. Mas tudo mesmo. Ou haverá verdades absolutas?

luis said...

Ha tanta coisa que desconhecemos, mas acredito plenamente que temos um designio e uma força superior. Agora o Seu nome pode variar, mas o importante é acreditar que existe
Grande Sorriso

mch said...

Aqui na internet não se esperam argumentos internoético. Mas o Zé Luís é assim: consegue isso!

Aparte as considerações matemáticas que falham por sermos descendentes não de uma pirãmide invertida de avós mas de uma árvore que na base tem uma pessoa e no topo tem duas, o resto é bonito.
O que aqui reflecte esta meditação sobre D. é a transição "da substância para o sujeito", ou "da natureza humana para o sujeito existencial".
Às perguntas "Quem é o homem?" ou "Quem deve ser um homem?" as respostas exigidas são "Eu!", ou "Nós!". A consciência e o corpo estão primeiro.
meus e nossos. E popr isso mesmo faz sentido qeu a Grande Pergunta seja relcionada como esta Grande Resposta!

Marco Robalo said...

Olá

Não sei se se lembra de mim. Nunca fui seu aluno mas conheci-o enquanto estive no Bartolomeu.
De vez em quando acompanho alguns dos seus textos e este em particular deixou-me com vontade de deixar aqui um comentário.

Em primeiro lugar, há já bastante tempo que já não pensava em Deus, e o seu texto fez-me pensar. Fez-me pensar exactamente no tempo que passei sem pensar em Deus, sem ainda assim deixar de admirar as coisas todos os dias e pensar sobre elas.


Sobre a prova da existencia de Deus:
Uma demonstração é um caminho, não é estado. Sâo sempre necessárias hipóteses e a prova é um caminho entre essas hipoteses e o que se pretende demonstrar, através de uma sucessão de implicações.

Num comentário pessoal, eu nunca tentaria provar a existencia de Deus, simplesmente porque me parece inutil, pois as consequencias da sua existencia não me parecem de todo apelativas. O mundo seria extremamente mais simples de entender e morreria de tédio.

Por outro lado, aos que tentam provar a existencia de Deus, não lhes tiro o ânimo. Acho apenas que o deveriam fazer começando por pensar nas hipóteses. Se chegassem à conclusão de que tais hipoteses nao existem, então nesse caso, que aceitem Deus como um axioma e de uma vez, por todas, esqueçam a sua demonstração.



Gostaria ainda de notar a facilidade com que se pode trocar o "cegamente" com o "sabiamente".


Eu acredito que o mundo é um sistema de interacções complexo. Acredito que o Homem tem capacidade de interpretar a natureza e acho que os conceitos de Inicio, Fim e Deus, são simplesmente más interpretações.

Só um comentário final: Matemática não são contas e repare que 562.949.953.421.312 é um numero extremamente pequeno quando comparado com 562.949.953.421.312 x 10000000000000. Acho que cair em argumentos quantitativos absolutos é um erro.


Espero que não entenda este comentário como um ataque ao seu texto. Simplesmente sinto uma pulsão enorme de contra-argumentar, pelo assunto em si.


Marco Robalo