Saturday, November 11, 2006

Tomás



Tomás era idoso... velho... vivia numa aldeia que já não o era... só lá vivia ele... os outros... ou tinham ido para as cidades, ou tinham morrido.

Tomás era o último, vivia a vida de um homem só, completamente só...

Em tempos tinha sido famoso pela maneira como escrevia e falava... Foi casado com uma mulher... mas ela estava longe... longe demais.

Agora falava sozinho e escrevia para si mesmo... sentia-se diferente quando se ouvia ou lia o que tinha escrito... Era a única maneira de se sentir acompanhado... Precisava muito de comunicar e como estava só, fazia-o em duas fases: na primeira escrevia ou falava; na segunda lia ou escutava...

Começou a perceber uma coisa muito importante... quando falava e queria ouvir-se como se tratasse de um outro Tomás, só conseguia ser ou o que falava ou o que ouvia... não conseguia fazer ambas as coisas simultaneamente com igual rigor...

Quando escrevia era diferente... sentia-se ainda mais só... pois o diálogo que ele pretendia instituir não resultava... no fundo era uma ilusão enorme. Quando falava, ou falava ou ouvia... quando escrevia não lia e quando lia não podia escrever.

Tomás estava convicto de que precisava falar, ouvir, escrever e ler... pois à falta de melhor para combater a solidão que o ia pisando, restava-lhe isto... Por isso escondia-se atrás da pretensão de se conhecer a si mesmo...

No momento em que percebeu, lendo uma das suas coisas, que estava a ser o maior aliado do inimigo, daquele inimigo que pretendia abater... parou... não mais falou, ouviu, escreveu ou leu alguma coisa.

Compreendeu que o medo de estar só é tremendamente pior que a própria solidão...

Queimou todos os papéis e esqueceu todas as suas palavras, depois lembrou-se que tinha alguns livros em casa e também os queimou. Era uma fogueira alta.

Pensou em como podia lutar contra a solidão e entendeu por bem esperar... só esperar... esperar...

A sua espera durou uns três anos... mas Tomás nunca desesperou... pois a sua esperança era suficientemente grande para superar qualquer desespero...

Quando fechava os olhos via... via uma pessoa, uma outra pessoa... via-se a falar consigo, não a ouvia, apenas via...

Morreu...





Hoje, quando alguém que está só, fecha os olhos e ouve-o, ouve Tomás... não o vê... apenas o ouve... ouve as cinzas dos papéis de Tomás caírem no chão depois de voarem muito tempo e ouve palavras esquecidas:
Espera... não tentes combater... espera... amanhã virá alguém, talvez uma princesa lindíssima, ou simplesmente a morte... Esperei e veio a segunda levar-me para perto da primeira... Confesso que apesar de não saber como é... é ainda mais belo se a princesa chegar primeiro do que a morte... Olha... espera... lembra-te que não tens em ti a tua razão de ser... de seres assim... Espera pois, e pede, sonhando outro alguém... e como um mendigo que estende a mão a quem passa... como ele, não esperes que de cada pessoa que passe venha uma esmola... Pede... pede sempre... não te bastes a ti... se te tentares saciar contigo mesmo... morrerás só... e a princesa não estará no fim da morte.!!!

1 comment:

Anonymous said...

Os teus textos têm alguma coisa que prende e não descubro o quê...

Gostei muito! Keep up :)