Francisco Gonçalves era pobre. Pobre.
Naquela noite decidira ir para a estrada; e ali estava ele, à beira de uma estrada onde sem cessar passavam carros e dentro dos carros gente, gente que não o via porque ele estava na berma.
Era um homem só... solitário... de alguma maneira triste com essa sua condição. Mas apesar do peso da sua solidão, ele tinha dentro de si algo que as vicissitudes do mundo material não lhe tinham conseguido roubar... Francisco guardava dentro de si a força e o brilho de um cometa.
Estava completamente escuro, não havia ali candeeiros e só a luz dos faróis permitia ver aquilo que havia para ver, ou seja, nada! Uns após outros incessantemente passam, os carros, que dentro de si trazem pessoas que dentro de si... pelos vistos, nada trazem!
Francisco está sentado junto à berma, quieto, silencioso... e a pensar no brilho e na força do cometa que vive dentro de si e que nada pode fazer com ele... absolutamente nada, pois o que se pode fazer com tal coisa em tal sítio!?... Nada!
Francisco é confrontado constantemente com o brilho artificial dos faróis dos carros... e fica ainda mais triste quando pensa que aquele brilho que vê na frente dos carros nada tem a ver com quem os conduz mas antes com a artificialidade dos automóveis e do código que os rege...
No meio destes pensamentos Francisco sente frio e fome como ainda não tinha sentido... mas, apesar disso, o sentimento do cometa, que não se consegue exteriorizar, é irracionalmente mais forte do que a fome e o frio. Francisco Gonçalves pensa então na morte e na sua possibilidade real em si... quer morrer mas deixar no mundo algo que traz consigo e de que não é responsável pela sua presença ali, dentro de si. Francisco queria muito emanar o cometa.
As luzes não se cansavam de atingir a cara do pobre... que hoje se sentia ainda mais pobre... tão pobre que não tinha capacidade de deixar no mundo uma riqueza que tinha consigo... ele estava pobre... Francisco Gonçalves era rico mas estava pobre... Francisco Gonçalves sempre foi rico mas sempre esteve pobre.
Levantou-se e começou a caminhar... não sabia onde ia, tão pouco sabia porque se tinha levantado do chão... caminhava na direcção dos carros, agora ele também ia para onde eles iam. Não tinha luzes, mas as artificiais dos outros serviam, agora até serviam para alguma coisa, além de que já não incomodavam. Não sentia fome nem frio.
Ao longe pareceu-lhe ver um homem sentado à beira da estrada, acelerou o passo... e o outro estava mesmo lá... não tinha sido ilusão... Era um homem muito triste e estava muito triste... era e estava... Francisco intui-o de imediato, e interpelou-o:
- Quem és e o que tens?
- Sou o pessimismo e sofro...
- Sofres por seres pessimista?
- Não... sofro somente e daí advém o pessimismo...
- Talvez a razão do teu sofrer seja a de que não tens luz dentro de ti...
- Dentro de mim há como que um buraco negro... toda a luz que sinto, absorvo, dissolvo e desaparece!
- Que fazes aqui?
- O mesmo que tu fazias há pouco ali em baixo... penso e sinto...
- Como sabes?
- Fui até lá... mas não tive coragem de te ir falar... porque tenho fome e se tivesses algo que comer irias pensar que te tinha ido falar só por interesseirice...
- Também tenho fome...
- ... não tenho nada para te dar...
Conversaram então acerca do buraco negro de um e do cometa do outro, seguiu-se um silêncio enorme... e Francisco Gonçalves estava prestes a morrer, quando pensou em libertar a luz e a força que existia dentro de si... Beijou o seu companheiro de estrada que dormia e deixou-se morrer, tendo consigo a grande felicidade de um dia ter feito algo por outro alguém, de ter conseguido fazer o seu cometa sair...
Morreu
O outro quando acordou, chamou Francisco mas logo se apercebeu de que ele havia morrido!
Decidiu que, embora as forças o pudessem vir a trair, iria enterrar o seu "amigo". Era madrugada cedo e Francisco Gonçalves foi mandado para uma vala e coberto com a areia possível...
O outro reparou então no Sol, na sua luz, que tão alto estava, que calor emanava, sentiu uma coisa muito estranha... já não sentia o buraco negro... não sabia viver assim, era algo completamente novo... que fazer?!
A fome tomou-o, tornando-o exausto... completamente exausto. Sentou-se na beira da estrada e, algum tempo, depois empregando todas as forças que lhe restavam atirou-se para o meio da estrada... Morreu quando um camião enorme o projectou muitos metros...
O que sentiu não foi um choque mas um beijo carregado de luz...
...
- ...
- Olá Francisco Gonçalves!
- Olá... come, come... há aqui comida que vai chegar para todos os pobres do mundo!!!
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