Friday, December 22, 2006

Wissenschaftslehre nova methodo

Fichte
Wissenschaftslehre nova methodo


§3

[A actividade ideal e a actividade real]

[A44] A acção de auto-posição do eu é uma passagem do indeterminado ao determinado; devemos reflectir agora sobre a forma pela qual o eu procede para efectuar esta passagem.

1) Não se pode indicar aqui qualquer fundamento [para essa passagem]; estamos no limite de todos os fundamentos. Basta observar o que se vê aí. Qualquer um verá que não há qualquer mediação. O eu efectua essa passagem porque a efectua. Determina-se porque se determina.; Essa passagem tem lugar por um acto de liberdade absoluta que se funda a si mesmo; é uma criação ex-nihilo, a produção de alguma coisa que não existia, um começo absoluto. O indeterminado não contém o fundamento da determinação ulterior, porquanto [indeterminado e determinado] se suprimem mutuamente. No momento A, estou indeterminado, a minha essência está inteiramente suprimida na indeterminação. No momento B, sou determinado; há pois algo de novo; que provém de mim mesmo; a passagem efectua-se por um acto de liberdade fundado em si mesmo.

2) A actividade que se exterioriza [nesse acto de liberdade] deve ser chamada “actividade real”; o acto pela qual ela se exterioriza “acto prático”; o campo no qual ela se exterioriza “campo prático” . Já observámos esse acto e continuamos a observá-lo. A actividade pela qual o observamos deve ser denominada “actividade ideal”.

Eu, o que intuiciona, o que é activo idealizante, encontro agora esse acto de liberdade absoluta; mas não posso nem encontrá-lo, nem descrevê-lo, sem lhe opor alguma coisa. “Determino-me a mim mesmo” significa que elevo uma possibilidade à realidade, um poder ao acto. Eu determino o acto de auto-determinação por liberdade absoluta graças ao poder de me determinar por liberdade absoluta. “Poder” deve significar possibilidade de actividade, mas não se pode compreendê-lo sem estabelecer a lei de reflexão pela qual o conceito desse poder ganha forma. O poder não passa de actividade, intuicionada segundo uma outra perspectiva. Nenhum acto particular é intuicionado se não for explicado por um poder; o mesmo acontece com o acto da liberdade absoluta. Não há poder sem actividade, nem actividade sem poder: os dois formam uma unidade; simplesmente são considerados segundo diferentes perspectivas. Considerado como intuição, é actividade, enquanto considerado como conceito, é poder.

3) [B 48] A diferença clara entre actividade ideal e actividade real é fácil de indicar. A actividade ideal é uma actividade de repouso, um acto de pôr em repouso, consiste em perder-se no objecto, é uma intuição fixada no objecto.
A actividade real é uma actividade verdadeira, é um agir. [contém em si mesma o fundamento do seu ser-assim-determinado.] A actividade ideal pode igualmente estar em movimento, pode igualmente ser uma passagem, e, quando intuiciona a liberdade, ela é efectivamente essa passagem: de facto, a intuição não é essa passagem por ser intuição deve-o sim ao objecto que é intuicionado, no presente caso, à liberdade. No que intuiciona só há uma reprodução, uma cópia. A actividade ideal não tem em si mesma, como a actividade real, o fundamento do seu ser-determinado; por isso está em repouso. O fundamento da actividade ideal reside no real que tem diante de si.

As duas actividades não se deixam conceber senão por oposição [de uma à outra].

4) A actividade ideal e a actividade real devem, neste caso, ser determinadas ainda mais claramente uma em relação à outra.
A) [A 45] Não há actividade real do eu sem actividade ideal; de facto, a essência do eu consiste no acto de auto-posição; se a actividade do eu tem de ser real, ela deve existir pelo eu, mas é posta pela actividade ideal.

Atribuímos força ao objecto natural, mas não força em si, dado que o objecto natural não tem consciência. Só o eu tem força em si.
B) Inversamente, não há actividade ideal do eu sem actividade real. Uma actividade ideal é uma actividade posta pelo eu, apreendida de novo como objecto da reflexão e representada novamente pela actividade ideal; sem o que o eu se assemelharia a um espelho que por certo representa, mas que não se representa a si próprio. – Este ser-uma-vez-mais-objecto-da-actividade-ideal é postulado com o eu. Mas esta objectivação é produto da actividade real. Sem actividade real, nenhuma auto-intuição da actividade ideal é possível. Sem actividade real, a actividade ideal não teria nada, e se a actividade real não lhe desse alguma coisa, ela nada seria.

C) [B 49] Imperceptivelmente [preenchemos a lacuna] acima indicada: a consciência imediata não é de todo uma consciência, é um obscuro acto de auto-posição do qual nada resulta, uma intuição sem haver intuicionado. A questão de saber como é que o eu consegue sair da consciência imediata e formar em si a consciência encontra aqui a resposta. Se o eu é tomado como ser, a consciência imediata deve ser posta uma vez mais por liberdade absoluta. Este acto de se pôr diante de si por liberdade é livre, mas, com a condição do eu ser tomado como ser, é necessário.

A actividade ideal seria por consequência produto do poder prático, e este o fundamento existencial da actividade ideal. Mas é preciso ter cuidado para não os considerar como separados. O ideal é o subjectivo no prático, o que observa o prático, e como apenas existem coisas para o eu na medida em que ele as observa, só existe alguma coisa para o eu pela actividade ideal.

Eu que sou activo idealizante, eu afecto-me a mim mesmo. Eu sou indeterminado, torno-me determinado, eu faço-me tal, persigo-me e prendo-me a mim mesmo realizante. Visto que é um eu que se afecta a si mesmo, esta afecção é acompanhada da actividade ideal, da intuição, em suma, da consciência. Esta consciência, pelo facto de se tornar precisamente uma consciência, torna-se uma intuição de si mesma.

“A auto intuição é produto do poder prático” significa que no momento que eu [me] afecto “realiter”, eu observo-me; esta observação é auto-intuição.

5) Admite-se como estabelecido que nada há que não seja na consciência. Ora, vimos que não há consciência sem actividade real, sem liberdade absoluta. Tudo o que pode ser não o é senão com ela e por ela; sem ela, nada há.

Assim, a liberdade é o fundamento de todo o acto de filosofar, de todo o ser. Confia em a ti próprio, escolhe a liberdade, terás então uma base sólida.

[A 46] A consciência liga-se imediatamente à liberdade, e não há outra coisa à qual ela possa estar ligada; a liberdade é o objecto primeiro e imediato da consciência. Toda a consciência é qualquer coisa que recai sobre si. O senso comum reconhece-o [B 49] na expressão: estou consciente em mim mesmo de qualquer coisa. Se o eu fosse pensado apenas como sujeito, isso nada explicaria, seria necessário procurar um novo sujeito para este sujeito, e assim seguindo até ao infinito; o eu tem pois necessariamente de ser pensado como sujeito-objecto.

Mas de novo, um tal sujeito-objecto ideal nada explica, é necessário acrescentar-lhe algo que seja unicamente objecto em relação a esse sujeito e de que eu esteja consciente. Donde é que esse objecto é suposto provir? O dogmático afirma que ele é dado, ou, se se pretende ligar o criticismo ao dogmatismo, que a matéria é dada, mas isso nada explica, é um simples termo vazio, em vez do conceito.

O idealista diz que o objecto é feito; mas, assim formulada, esta resposta nada resolve igualmente; pois, ainda que o objecto seja um produto do eu enquanto ser realmente activo, o eu enquanto ser realmente activo não é um ser ideal, [por consequência] o produto do eu dotado de um agir causal seria, para aquilo [ele] que representa, dado, trazendo-nos de volta à posição dogmática. – O problema pode ser resolvido assim: o que intuiciona e o que faz são um e o mesmo. o que intuiciona observa o seu fazer. Não há objecto enquanto tal que seja imediatamente objecto da consciência, mas somente o fazer, a liberdade. A proposição: “O eu põe-se a si mesmo” tem dois sentidos inseparáveis, um sentido ideal e um sentido real, que estão ambos absolutamente reunidos no eu. Não há acto de pôr ideal sem auto-início real, e inversamente; não há auto-intuição sem liberdade, e vice-versa; de igual forma, sem auto-intuição, não há consciência.

Antes do acto da liberdade, não há nada; é com ele que tem origem tudo o que existe; mas não podemos pensar este acto senão como uma passagem de um estado anterior de determinabilidade à determinação. – Por conseguinte para diante ou para trás [que se desça para o determinado ou se suba para o determinável] obtemos a mesma coisa, simplesmente em dois aspectos [diferentes] e é este acto da liberdade que constitui o eixo. No entanto, o acto [da liberdade] não é ele próprio possível se não encontrar à sua direita a determinabilidade; a consciência imediata, e à sua esquerda o que deve ser produzido: o eu intuicionado; [a consciência imediata e o eu intuicionado] são inseparáveis, dependem ambos da liberdade absoluta.

[B51] Nenhum homem pode indicar o acto primeiro da sua consciência, pois cada momento é uma passagem da indeterminação à determinação e pressupõe por isso sempre um outro momento.

O que é propriamente primeiro realizante é a liberdade, mas, no pensamento, isto não pode ser estabelecido logo à primeira vista, por isso tivemos que primeiramente lançar nas pesquisas que aí nos levaram.

§3
Pensar-se-á que a passagem [do determinável ao determinado] (§2) tem o seu fundamento absoluto em si mesma; a acção [pela qual o eu efectua] esta passagem é denominada por essa razão “actividade real”; ela é oposta à actividade ideal que apenas reproduz a actividade real; por isso, [a actividade] do eu em geral é dividida em dois modos. Segundo o princípio da determinabilidade, não é possível pôr um agir real sem um poder real ou prático. Actividade real e actividade ideal são condicionadas e determinadas uma pela outra, uma não é sem a outra, e o que uma é não se deixa compreender sem a outra. Neste acto da liberdade, o eu torna-se objecto para si mesmo. Nasce uma consciência efectiva e esta constitui o ponto de partida ao qual se deve unir desde logo tudo o que, duma forma geral, deve ser objecto dessa consciência. Por conseguinte, a liberdade é o fundamento supremo e a condição primeira de todo o ser e de toda a consciência.



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