Mais ou menos por alturas do reino de Tibério, ninguém sabe exactamente onde nem quando, um personagem de que se ignora o nome, abriu uma brecha no horizonte dos homens. Não era, certamente, nem filósofo nem tribuno, mas deve ter vivido de tal maneira, que a sua vida se tornou sinal de um anúncio revolucionário: cada um de nós pode, em cada instante, começar um futuro novo.
Dezenas, para não dizer centenas, de narradores populares cantaram essa Boa Nova. Ficaram-nos três ou quatro dessas narrativas. Para exprimir o choque que tinham recebido, os seus autores serviram-se de imagens de gente simples – os pobres, os ofendidos, os humilhados – quando se põem a imaginar que tudo se tornou possível: o cego começa a ver, o paralítico que anda, os esfomeados do deserto que recebem pão, a prostituta que se ergue para uma vida de mulher, a criança morta que recomeça a viver.
O amor desse homem deve ter sido um amor militante, subversivo. Sem isso, não teria sido crucificado. E para que a sua Boa Nova fosse anunciada até ao fim, foi preciso que, pela sua ressurreição, ele vencesse todos os limites, mesmo o limite supremo que é a morte.
Os eruditos podem contestar um ou outro facto desta existência, mas isso nada muda esta certeza fundamental que transforma a vida. Foi acesa uma fogueira. Se ela arde, é porque houve uma chama inicial que lhe deu origem.
Todas as certezas, até então, meditavam sobre o destino, sobre a necessidade metafísica dos acontecimentos. Esse homem mostrou a loucura desses raciocínios. Ele, o contrário do destino. Ele, a liberdade, a criação, a vida. Ele, desfatilizou a história.
Nele se realizaram as promessas dos heróis e mártires que anunciaram o despertar da liberdade do homem. Não veio cumprir apenas as esperanças de Isaías ou as cóleras de Ezequiel. Veio também quebrar as cadeias de Prometeu e os muros de Antígona, imagens míticas do destino. Nele morriam os deuses e despertava o homem. Era como se o homem nascesse de novo.
Contemplo hoje a cruz que se tornou o seu símbolo e penso em todos os homens que alargaram a brecha por ele deixada: de João da Cruz, que à força de contemplar o nada, nos ensina a descobrir o tudo; a Karl Marx, que nos mostrou como se pode transformar o mundo; a Van Gogh e a todos os que nos fizeram tomar consciência de que o homem é demasiado grande para se satisfazer a si mesmo.
Vós todos, que vos dizeis guardiães dessa grande esperança que Constantino nos roubou, devolvei-no-la. A sua vida e a sua morte pertencem-nos também, a todos aqueles para quem elas têm um sentido. A todos nós que aprendemos dele que o homem nasce criador.
É nesse poder criar, atributo divino do homem, que a minha oferta de presença se torna real. Ela está aqui, cada vez que nasce qualquer coisa de novo, que vem engrandecer o homem: no mais louco amor ou na descoberta científica, no poema simples ou na revolução criadora.
Roger Garaudy
(humanista marxista – Ex-dirigente do Partido Comunista Francês)
(humanista marxista – Ex-dirigente do Partido Comunista Francês)
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