Sunday, August 06, 2006

Rodrigo



Rodrigo era um homem tímido, humilde e vivia sozinho. Era professor mas nunca teve um mau aluno, talvez porque o respeitassem como ele merecia; era, no fundo, um professor a sério. As únicas rebeldias aconteciam no princípio dos anos lectivos, mas a personalidade de Rodrigo punha-lhes cobro, não pela rispidez, mas por uma empatia indescritível.

Rodrigo ensinava matemática, mas em casa gostava de escrever... escrever sonetos, poemas, prosas, cartas. Fazia tudo isto construindo romances. Gostava de escrever talvez até mais do que dar aulas de matemática.

Já estava com cerca de 70 anos de idade e foi forçado pela lei a deixar de leccionar e retirou-se... e apesar de ter deixado em muitos alguma saudade, depois de 3 anos, já só recordavam Rodrigo quando havia muitas notas negativas a matemática, mas depois... já nem isso.

Rodrigo estava por casa, escrevendo folhas sem fim, cuja qualidade era irrepreensível: dias e dias a escrever romances que incluíam sonetos, poemas, prosas, cartas, etc. E tão belos romances! As folhas soltas eram agrupadas por capítulos e estes por romances. Já tinha 4 ou 5 montes quando sentiu que já não podia mais; o seu médico avisara-o mas ele não lhe deu ouvidos... Agora, sentira um arrepio na coluna vertebral... tão forte que o deixou imóvel e quase não sentia a cabeça, também não sentia os membros inferiores. Com muito esforço telefonou para os bombeiros que passados alguns minutos estavam já com o Rodrigo a caminho do hospital...

Ficou internado... dias e dias... meses... quase dois anos...e nunca teve uma visita daquelas que vão lá de propósito, daquelas que lá vão, só para nos ver a nós.

Nem uma!

Só o capelão e umas senhoras que visitam todos os doentes que não têm visitas... e com estes Rodrigo falava pouco, mostrando um pouco de simpatia; mas não mais, só um pouco... afinal, era o que sentia por eles.


Rodrigo esperava pela noite para chorar sem que ninguém o ouvisse ou percebesse. De dia sentia o desespero e a angústia de não haver ninguém que o visitasse... ele que tão bom homem fora. Lembrava-se dos seus romances... mas nunca falou deles com ninguém.

A sua tristeza e solidão acabaram por o matar...

Morreu no dia 28 de Março de 1984 com uma coisa qualquer, um daqueles nomes que os médicos têm para dizer quando não sabem o que é, ou do que foi.

Morreu só e triste. Os seus romances, as folhas soltas em montes, foram para um caixote de lixo qualquer...Os seus romances, os romances mesmo... esses todos nós os ouvimos quando estamos sós e tristes.


5 comments:

Anonymous said...

Quase me vieram as lágrimas aos olhos...

Os teus textos têm o "dom" de me arrepiar de tão reais que parecem ser.

Anonymous said...

Bem, outo texto magnifico!!
Mais uma vez adorei =)**

Anonymous said...

a real crueldade da vida

todos seremos esquecidos após algum tempo

Anonymous said...

Que historia linda... e que reflecte a realidade de hoje em dia. à medida que crescemos perdemos a inocencia que podemos confiar em todos e conhecemos de perto a desilusão... infelizmente

André said...

fiquei :O lindissimo...