Saturday, April 28, 2007

André

Era uma vez... Um grupo de homens que tendo ido passear pelas montanhas resolveram parar no cimo da montanha mais alta, mesmo no cume...

De súbito, um dos homens, o André, perguntou aos outros o que viam, apontando para toda a região que se estendia até ao infinito, os outros deram respostas que ora era um vale, um bocado de terra, uma paisagem bonita, etc. Depois perguntaram ao André qual seria a sua resposta, ao que este respondeu: "Não sei."

Findo o período de descanso, todos se ergueram, menos o André, que permaneceu serenamente a olhar a região que se estendia na sua frente... os outros então disseram-lhe que iriam partir, e que se ele estava tão apaixonado por toda a paisagem, o melhor seria ir visitá-la com eles... mas o André ficou, pois tinha ficado estupefacto quando se apercebeu que não percebia o que era aquilo que se estendia na sua frente.

Na sua cabeça reinava a pergunta: "O que é isto?", e as respostas pairavam descontroladas: "É um vale", "È um bocado de terra", "É uma paisagem", "São árvores e lagos e campos e...". "O que é isto?" não tinha uma resposta, não tinha muitas, não tinha resposta.

Decidiu ir ao encontro dos seus companheiros de viagem... e quando se aproximou deles logo lhe perguntaram: "Então qual é a resposta, já a sabes?". Ao que André permaneceu em silêncio... os companheiros insistiram, mas ele também.

Não passou muito tempo até que o André resolvesse voltar ao cume da montanha... Despediu-se dos outros e caminhou para lá...

Sentou-se confortavelmente e pôs-se a ver "tudo aquilo"...

Algum tempo depois colheu uma flor e viu o "tudo aquilo" na flor... O que era afinal o "tudo aquilo", que estava na paisagem, na flor e depois até num cabelo dos seus???

A resposta a si mesmo foi pronta e esclarecedora:

"- André, não há resposta para perguntas realmente sérias, és um homem e deves conformar-te com estas coisas."

O André aprendeu então a olhar para tudo aquilo, encontrando o "tudo aquilo" em tudo... e sempre a fazer perguntas, com as quais não se preocupava em andar à procura das respostas... Estava feliz... Teve entretanto pena dos seus amigos, pois estavam a perder tudo aquilo que ele vivia, agora tão intensamente.

Alguns dias depois, encontrarem-se todos e começaram a trocar as experiências da viagem... Um amigo começou por dizer ao André o que ele não vira... aquele lago, que do cume da montanha parecia uma simples poça, era na verdade grande e bonito, tinha peixes às riscas, nas margens havia uma plantas curiosas e havia até formigas de uma cor que ninguém soube explicar, etc.

André sorria-lhes, e eles acabaram por ficar tão indignados, que lhe perguntaram porque sorria. E disse:

"- Vocês viram tudo isso, mas precisaram de andar muito, de se cansarem ainda mais, e no entanto, eu, lá de cima, vi tudo isso que vocês não viram... É que quem olha para o chão também consegue ver as estrelas, assim como de noite se pode ver o sol... Conhecer uma pedra é ter a percepção imediata da sua natureza íntima... que é a mesma para tudo, o ser."

Um deles interrompeu-o:

"- Mas responde-me lá à pergunta que a todos fizeste, o que é tudo aquilo???"

O André ficou um tempo em silêncio e por fim disse-lhes:

- A minha resposta é o silêncio...

- O quê? tens de definir.
- ... ... ... É que se eu definir qualquer coisa, já a estou a privar de aspectos que essa mesma coisa possivelmente também é... e como um todo só se deixa definir nas suas partes constituintes, logo se defino algo, também tenho que definir o todo onde se definiu a coisa, e o todo onde está o todo em que está a coisa, e daí por diante..."

Os amigos levantaram-se e foram embora. Alguns deles, dias depois, foram sentar-se no cume da montanha, mas nunca nenhum deles viu o mesmo que o André...

Nunca mais ninguém soube que o André se tornara num homem muito feliz, e isso desde o momento em que percebeu que as perguntas realmente sérias não têm resposta, ou melhor, até têm... só que não é para os homens compreenderem...

Morreu anos mais tarde...

Só depois disso compreendeu tudo o que há para compreender...



2 comments:

Paulo said...

O meu filho chama-se André!

Olha, fiz publicidade ao teu e-mail das receitas do mundo... http://totodacabeca.blogspot.com/2007/05/receitas-do-mundo.html

Abraço amigo!

Anonymous said...

«Recordo-me de um conto de Eduardo Galeano, no Livro dos Abraços, sobre o pequeno Diego, que nao conhece o mar. Um dia, o pai leva-o à praia: "E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de formosura. E quando por fim conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: -Ajuda-me a olhar."»
A Lua Pode Esperar, Gonçalo Cadilhe